Um dos maiores desafios conservacionistas é provar que uma floresta tropical possui um valor maior em pé do que destruída ou transformada em pasto. Nas últimas décadas, vários argumentos têm ajudado a fortalecer o conceito que a natureza saudável traz benefícios permanentes aos seres humanos, sejam estes imediatos ou a longo prazo, concretos ou filosóficos.
Na maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, uma perspectiva que cresce com vigor é a da importância dos produtos não-madeireiros. Em duas viagens realizadas em 2012, entrei em contato com ribeirinhos, pesquisadores e autoridades que trabalham em parceria com essa finalidade. A iniciativa estimula a economia florestal e busca melhorar a gestão das atividades sustentáveis na Amazônia.
Um ponto central da iniciativa de conservação é a valorização dos produtos nativos da Amazônia e o projeto usa a disseminação de informação como uma arma essencial contra a destruição ambiental.
A alma do habitante amazônico – e principalmente do paraense – possui um leve tom arroxeado, a cor do açaí. Não há habitante em Belém que não consuma vários litros de seu néctar por semana e alguns chegam a tomar dois litros por dia. A tigela de açaí está sempre presente nas refeições e o caldo da fruta é servido com tapioca, farinha de mandioca ou peixe frito.
Em algumas comunidades ribeirinhas, o açaí pode representar 40% da dieta alimentar. Quem toma açaí não fica desnutrido. Depois de extraída da semente, a polpa do fruto da palmeira Euterpe oleracea é um produto de alto valor calórico, rico em proteínas, vitaminas e sais minerais.
Sua reputação como energético fez com que o fruto conquistasse novos territórios. A partir da década de 1990, a polpa congelada passou a ser “exportada” para o Rio de Janeiro, ganhando adeptos bem diferentes aos usuais ribeirinhos amazônicos. Batido com xarope de guaraná (outro produto amazônico altamente estimulante), servido como um creme bem frio (quase como um sorvete) e adornado com granola (uma influência externa), o açaí carioca passou a fazer parte do cardápio dos saudáveis garotos e garotas de Ipanema. Hoje, não há loja de sucos no Rio que não ofereça várias opções de açaí. Do Rio, a novidade foi para São Paulo e daí não demorou a conseguir espaço nos supermercados europeus e norte-americanos.
Pela magnitude da região, qualquer número relativo à Amazônia é difícil de ser contabilizado. Se o açaí existe e é consumido em todos os estados do Norte do Brasil, é impossível saber, ao certo, qual é a quantidade produzida. Mas pesquisadores propõem que o Pará, com cerca de centenas de milhares de hectares de açaizais, seria responsável por 80% a 90% da produção nacional.
Em municípios no interior do Pará – como Igarapé-Miri e Abaetetuba, respectivamente, o primeiro e o segundo produtor de açaí no estado – o fruto é respeitado como uma crescente fonte de riqueza para os ribeirinhos, uma espécie de “ouro roxo” oferecido gratuitamente pela floresta.
Existem três espécies de palmeiras de açaí. A mais comum no Pará é a de touceira, quando vários troncos brotam juntos, como se fossem um buquê. Feliz de Carvalho, extrativista em Abaetetuba, conta que aprendeu a manejar o açaizeiro para ter uma produção maior e mais sustentável. “Se tiver muito tronco junto, não é bom. Aí, tiro um ou dois e aproveito o palmito”, diz Feliz. “O ideal é uma touceira de quatro troncos, no máximo seis. E não pode deixar a palmeira ter mais de 12 metros de altura.”
Mesmo na entressafra, de janeiro a junho, as duas primas Luerle e Daiani conseguem preparar, sem muito esforço, uma tigela do vinho de açaí. O cacho maduro que Luerle cortou da palmeira solteira (não de touceira) é lavado e debulhado; as sementes maduras vão para uma panela. Daiani traz uma garrafa de vidro e usa a parte de baixo como um socador. Em turnos, as primas se revezam em golpear e espremer, com força, as sementes que vão soltando o caldo arroxeado. Passam o caldo por uma peneira artesanal e o que sobra na bacia será consumido no jantar.
A coleta ocorre quando os frutos estão bem maduros e roxos. No Pará, o pico da safra acontece na estação seca, no segundo semestre do ano. Mas considerando a imensidão da Amazônia, com seus diferentes climas e ecossistemas, a época de coleta pode variar bastante.
A palmeira do açaí não fornece ao ribeirinho apenas o vinho. As sementes podem ser usadas em artesanato e o bagaço como adubo orgânico. As folhas secas são utilizadas para cobrir as casas. Já o caule fornece um palmito de excelente qualidade que, no
caso do palmito de touceiras, pode ser retirado, sem comprometer a saúde de toda a árvore.
O manejo de um açaizal deve ser realizado de forma racional e sustentável para que o produtor não prejudique sua produção. Os ribeirinhos que, no passado, não valorizavam tanto seu açaizal nativo, vão aprendendo hoje novas técnicas e estão convencidos que um ecossistema saudável é vital para manter uma boa produção de “ouro roxo”.