Encontro com gorilas-das-montanhas em Uganda é inesquecível

No filme “Nas montanhas dos gorilas” – original de 1988, “Gorillas in the mist” – a atriz Sigourney Weaver revela a luta da pesquisadora Dian Fossey para proteger os gorilas-das-montanhas nas florestas de Uganda, Ruanda e Congo. Desde o lançamento do filme, conservacionistas e amantes da natureza passaram a acompanhar de muito mais de perto o primata para evitar que a espécie pudesse ser extinta.

A ajuda de Hollywood e o holofote ligado pelas organizações ambientais foram extremamente úteis e nas últimas três décadas a população desses primatas vem crescendo gradativamente.  Como base no senso de 2015, calcula-se que existiam, no seu habitat natural, cerca de 880 indivíduos, espalhados em quatro parques nacionais e em três países. Quando estive na região em 2010, esse número estava ao redor de 700 – isso significa que houve um crescimento de 28% em cinco anos.

Hoje, a subespécie de gorilas-das-montanhas – Gorilla beringei beringei – continua sendo considerada como Criticamente Ameaçada de Extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza, pois a caça ilegal, a perda do habitat natural e a instabilidade política no Congo continuam trazendo impactos negativos aos animais. Mas a situação é bem melhor do que há duas ou três décadas.

Em 2010, tive a oportunidade de ver de perto gorilas-das-montanhas em Uganda e em Ruanda. Em 2022, regressei a Uganda para minha terceira visita aos gorilas. Esses momentos que passei ao lado desses gigantescos primatas foram inesquecíveis. Seguem alguns trechos de minhas anotações da primeira viagem em Uganda:

Andei no mato fechado por quase três horas para ir ao encontro do grupo Nshongi de gorilas-das-montanhas. © Mikael Castro

Estou em uma floresta tropical de altitude, cercado por todo tipo de vegetação. Raízes tentam agarrar meus pés, cipós e trepadeiras se enroscam em meus braços. As plantas parecem impedir que eu entre no território reservado.

“Esse é um dos piores trechos da caminhada”, diz Godfrey Binayisa, o guarda-parque que continua a abrir passagem com o facão, desbravando a floresta. “Só falta meia hora para chegarmos ao destino.”

Além da luta contra o mato, agora tenho outro desafio: a trilha se torna íngreme. Checo o altímetro e estamos a 2.200 metros de altitude, 350 metros acima do lugar de onde partimos. O caminho também está mais escorregadio. Agarro uma raiz que deveria estar presa, meu sapato resvala e calça e mãos tomam mais um banho de lama.

O nome do local explica a aventura. Estamos na Floresta Impenetrável Bwindi. Sim, o nome oficial inclui o adjetivo “impenetrável”. A selva fechada e escura guarda um dos principais tesouros de Uganda: quase metade da população mundial de gorilas-das-montanhas. Bwindi é parque nacional desde 1992 e Patrimônio Mundial desde 1994.

Ao completar 2h30 horas de caminhada, surgem, do meio do mato, três vultos quase tão tenebrosos como a floresta. Um deles carrega um fuzil AK-47. Binayisa nota meu espanto e explica que os três guardas trabalham para o parque. Saíram em busca do grupo de gorilas duas horas antes de nossa partida.

Como de costume, os rastreadores foram ao local onde os animais passaram a noite anterior. Os primatas acordaram, fizeram sua primeira refeição e começaram a se movimentar em busca de outros alimentos – sua dieta vegetariana é composta por mais de 60 tipos de plantas e um adulto pode comer mais de 20 quilos de folhas por dia. Os guardas seguiram o grupo e agora sabem exatamente onde os animais estão. Estamos prontos para ver os primatas.

O guarda-parque lembra as regras do jogo. Manter uma distância mínima de sete metros dos animais. Não fotografar com flash. Não espirrar ou tossir perto para que não sejam contaminados. Se algum gorila vier em nossa direção, não olhar diretamente nos olhos dele, baixar a cabeça e seguir as instruções dos guarda-parques. Teremos apenas 60 minutos para estar com eles.

Deixamos a trilha e entramos no mato impenetrável. Depois de tanto esforço, nossa recompensa está prestes a acontecer. O guarda que lidera a fila se detém, ergue a cabeça e aponta para uma árvore. A uns dez metros de altura, bem encaixado entre dois galhos, um jovem gorila retira cuidadosamente tufos de musgo da casca e os mete na boca.

Começa o frenesi fotográfico e disparo dezenas de imagens em poucos segundos. Nossa presença não interfere na atividade principal do gorila: comer. Mesmo consciente de que está sendo observado, o animal não olha em nossa direção. É como se não existíssemos.

Os gorilas desse grupo chamado Nshongi recebem visitantes desde setembro de 2009. Habituá-los à presença de seres humanos demandou um processo lento, de cerca de dois anos, com a visita diária de um guarda-parque ao grupo. Depois de acostumados aos humanos, eles perdem o medo, já não nos consideram como perigo e permitem nossa companhia.

Binayisa faz um sinal para prosseguir. A poucos metros, encontramos um macho adulto silver back, o dorso prateado, líder do grupo. Ele está sentado no chão, dentro da mata e come passivamente suas folhas preferidas.

O líder do grupo Nshongi, o silver back, sentado no chão, sabe que nós estamos presentes mas continua buscando comida. © Haroldo Castro

O primeiro censo em Bwindi, em 1987, computou 270 animais. Em 2003, o número saltou para 320 e, em 2006, para 340. O censo de 2010 revelou um número de 360 indivíduos. “A população de gorilas-das-montanhas em Uganda está protegida e só tem crescido nas últimas décadas”, afirma Binayisa. Em 2015, calculava-se que existia cerca de 400 animais em Bwindi.

Uma fêmea muda de posição e se senta no chão, a 10 metros de onde estou. Ela tem à frente um conjunto confuso de plantas trepadeiras. Com serenidade, ela separa e desembaralha os ramos que são levados à boca. O ritual pacato simboliza a docilidade e a ternura desses primatas. Passo longos minutos com a teleobjetiva enfocada no rosto dela e consigo notar uma ternura em seu olhar.

Uma gorila fêmea senta-se para comer as folhas de uma trepadeira. © Haroldo Castro

Mas o tempo voa. Precisamos voltar. “Já estamos aqui a 65 minutos”, afirma Binayisa. Clico as últimas imagens. Que sensação extraordinária ter conseguido ver esses maravilhosos primatas de tão perto. Entendo agora porque pessoas que gostam de animais e que possuem recursos acabem pagando uma taxa de visitação elevada (hoje, 700 dólares por dia, cerca de R$3.500) para ver o espetáculo.

Depois do encontro que eu aspirava tanto, o caminho de volta, em descida, é bem mais fácil. Como a observação dos gorilas se tornou a atração principal em Uganda, tanto as autoridades como o setor privado precisam manter a sustentabilidade e a vitalidade do empreendimento. Mais de 10 mil visitantes anuais rendem aos cofres da Agência de Vida Selvagem de Uganda (UWA) alguns milhões de dólares e parte dos rendimentos é destinada aos guarda-parques e medidas de conservação. As comunidades rurais que rodeiam o Parque Nacional também começam a se beneficiar com o afluxo de turismo: de cada visita, nove dólares (36 reais) vão direto às comunidades rurais vizinhas.

Foi a impenetrabilidade de Bwindi que protegeu os gorilas-das-montanhas da extinção. Hoje pode ser mais fácil entrar em Bwindi, mas cabe aos ugandenses cuidar dessa mina natural.

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