Haroldo Castro – Haroldo Castro https://haroldocastro.com.br Wed, 14 Aug 2024 16:39:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.6.2 https://haroldocastro.com.br/wp-content/uploads/2023/12/Haroldo-Castro-FavIcon512x512-150x150.png Haroldo Castro – Haroldo Castro https://haroldocastro.com.br 32 32 Rota da Seda: Quarenta anos depois, regresso ao Uzbequistão https://haroldocastro.com.br/rota-da-seda/ https://haroldocastro.com.br/rota-da-seda/#respond Tue, 13 Aug 2024 23:26:37 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=3285 Visitei o Uzbequistão durante nove dias no verão de julho de 1984. Situado na Ásia Central, o país era uma das 15 repúblicas da URSS. Alguns antigos slides que acabo de encontrar reavivaram minha memória e trouxeram à tona diversas lembranças – dos mercados multicoloridos e dos habitantes uzbeques com suas vestes tradicionais às mesquitas com minaretes e belas cúpulas típicas da arquitetura islâmica.

Madraça Tilya Kori, uma das três escolas corânicas que envolvem a Praça do Registan em Samarcanda. © 1984 Haroldo Castro / Viajologia

Na época soviética só era possível visitar o país usando os serviços estatais da Intourist, a agência oficial, ou participando de um grupo da Sputnik, uma organização para jovens. Foi assim que consegui viajar, via Paris e Moscou, a esse recanto do mundo praticamente desconhecido pelo turismo há quatro décadas.

Na ocasião, o primeiro contraste com Moscou foi a fartura de alimentos nos mercados uzbeques. Legumes, frutas e laticínios coloriam os corredores dos mercados cobertos. Os vendedores, surpresos ao verem um grupo de jovens ocidentais, faziam questão de oferecer mostras de seus produtos. Não falando nenhuma palavra de russo ou de uzbeque, meu sorriso aberto era o único agradecimento ao gesto gratuito de hospitalidade sincera.

Uma senhora uzbeque vende seus tomates no Mercado Central em Bucara. © 1984 Haroldo Castro / Viajologia

Conto em uma crônica de viagem escrita na época que fui convidado a visitar a casa de Agzam, 31 anos, gerente de uma pequena empresa do governo. Graças a uma pessoa que arranhava inglês, Agzam nos explicou orgulhosamente que preparava a festa de circuncisão de seu filho. Iria lhe custar uma fortuna – 5 mil rublos (6.250 dólares da época) – mas ele já tinha data marcada para o evento. Após aprender que o salário mensal de Agzam era de apenas 200 rublos (250 dólares), fiquei intrigado em saber como ele pagaria a festa.

“No Uzbequistão não seguimos as regras do estado soviético. Temos soluções particulares e criamos um mercado paralelo para todos os produtos e serviços”, respondeu, sabendo que poderia falar com confiança aos estrangeiros. Pedi exemplos e ele continuou. “Um dentista vai compor um dente de ouro para que o cliente não espere na fila do hospital; minha irmã negocia suas uvas colhidas e secas em seu próprio quintal; minha prima prepara doces e salgados e vende no mercado.” Concluiu com vigor. “Não se esqueça que, nós, uzbeques, somos comerciantes natos. Aqui em Samarcanda, passava a Rota da Seda. Trocar, vender, comprar e revender está na nossa alma há milênios.”

Outro tema que atraiu minha atenção foram as “tchai-khanas”, as casas de chá. A mais pitoresca situava-se nos jardins sombreados de Lyabi Hauz na histórica Bucara. Além de amoreiras seculares – as árvores teriam sido plantadas em 1477 –, o local contava com um enorme tanque de água, o qual, em pleno verão escaldante, significava um hiato de frescor!

Sob a sombra de amoreiras seculares, uma família uzbeque toma chá e come salgados na tchai-khana Lyabi Kauz, em Bucara. © 1984 Haroldo Castro / Viajologia

Todas as cidades uzbeques possuíam casas de chá, mas as de Lyabi Hauz eram icônicas. Sobre uma imensa cama de madeira coberta com tapetes era instalada uma mesinha de pernas curtas. As pessoas ficavam sentadas de pernas cruzadas, sem sapatos, sobre o estrado da cama, em volta da mesa menor, saboreando seu chá, fazendo uma refeição ou jogando xadrez ou gamão. Era o local ideal para passar as horas quentes do dia. Graças ao liberalismo soviético e contrariamente às tchai-khanas que eu havia conhecido no Afeganistão em 1974, as mulheres tinham livre acesso e frequentavam as casas-de-chás em companhia de suas famílias, amigas e até mesmo sozinhas.

Sobre o estrado de uma cama, duas mulheres uzbeques tomam chá em uma tchai-khana em Samarcanda. Vale notar o desenho de suas sobrancelhas. © 1984 Haroldo Castro / Viajologia

E 40 anos depois, como estará o Uzbequistão?

A principal diferença é o país ser hoje independente e não estar mais sob o controle das autoridades russas. O Uzbequistão iniciou um processo gradual de liberação econômica, tentando diversificar a economia e, a partir de 2016, promoveu reformas políticas. Também diversificou sua política externa, fortalecendo relações com seus vizinhos da Ásia Central e com Estados Unidos, União Europeia e China.

A população do Uzbequistão em 1984 era de 18 milhões. Hoje, ela dobrou: são 36 milhões. Para lidar com os desafios de saúde, educação e transporte, o governo precisou investir no bem-estar social e no desenvolvimento de infraestrutura. Um exemplo foi a construção da ferrovia Afrosiab, com um trem de alta velocidade, que liga a capital Tashkent às duas principais cidades turísticas, Samarcanda e Bucara. O projeto, inaugurado em 2011, foi realizado pela empresa espanhola Talgo.

Quando eu desembarcar em Tashkent nos primeiros dias do outono (neste próximo setembro), deverei me deparar com o mesmo céu azul intenso que encontrei em julho de 1984, mas com uma temperatura mais amena. Em lugar dos 43oC que me martirizaram na ocasião – lembro-me que tive de abrir uma torneira no mercado e colocar minha cabeça embaixo d’água para evitar uma insolação –, a máxima agora não deverá ser superior aos 29oC e a mínima pode até chegar a 13oC, uma temperatura com a qual estou acostumado aqui nas montanhas de Cunha, SP. Viajar três meses depois do verão foi uma excelente decisão para evitar o calor extremo!

No dia seguinte, deverei embarcar no moderno trem Afrosiab para ir a Samarcanda. O nome do trem não tem nada a ver com o continente africano, mas sim com um dos primeiros sítios arqueológicos da cidade, inicialmente chamada de Maracanda. Em 1984, a jornada de Tashkent a Samarcanda consumiu todo um dia em uma velha caminhonete russa trafegando lentamente em uma estrada de má qualidade. Hoje, o trajeto levará apenas duas horas!

Em Samarcanda, a Praça do Registan – onde estão situadas as três madraças, escolas corânicas, as pérolas arquitetônicas do país – não deve ter tido mudanças significativas. Talvez, no máximo, uma limpeza aqui ou uma pequena restauração ali. Lembro que o local é grandioso e que visitei de dia e de noite. A mais antiga, a Madraça de Ulugh Beg, data de 1420 e teria mais de 600 anos de idade. As duas outras, as Madraças de Sher Dor e a de Tilya Kori, seguiram o mesmo desenho, mas foram construídas dois séculos depois, entre 1620 e 1660. É fascinante pensar que, enquanto o mundo ao redor se moderniza, esses monumentos permanecem como símbolos de uma época em que o conhecimento e a cultura floresciam nas encruzilhadas da Rota da Seda.

A Praça do Registan à noite em Samarcanda, com as Madraças Ulugh Beg (esquerda) e Tilya Kori (centro). © 1984 Haroldo Castro / Viajologia

Estou também curioso para saber como estará hoje a tchai-khana de Lyabi Hauz em Bucara. Será que os estrados das camas tradicionais foram substituídos por mesas modernas? O chá local terá sido trocado por refrigerantes e cervejas enlatadas? O ambiente, antes usado apenas pelos uzbeques, terá sido tomado pelas hordas de turistas russos e asiáticos? Em algumas fotos atuais, observei luzes neon que me deixaram apreensivos…

Mais perguntas na minha pauta. Nas três cidades que visitarei, será que vou encontrar o mesmo espírito acolhedor em meio à ânsia do rápido progresso? Como o antigo e o novo estarão convivendo agora, após quatro décadas de transformações?

Com a globalização econômica atual, me pergunto também se aquela veia empreendedora dos uzbeques dos anos 1980, beirando a ilegalidade, encontrou novos caminhos. Será que os mesmos vendedores, antes limitados às esquinas dos mercados, florescem agora em um ambiente mais oficial, onde o comércio e a inovação são incentivados?

Vamos esperar até setembro para ter as respostas a essas perguntas. Talvez meu maior desafio será mesmo conciliar a nostalgia e as expectativas com uma realidade moderna, aceitando que as transformações são inevitáveis, mas desejando que a essência da alma do povo uzbeque tenha permanecido inalterada.

Nota: Se você também tiver curiosidade para saber como esse país da Ásia Central se transformou nas últimas quatro décadas, convido você a seguir as curtas crônicas que postarei no WhatsApp a partir de 22 de setembro, inscrevendo-se no link do grupo “Rota da Seda”: https://chat.whatsapp.com/JUwnimWr8fXGWqpEJ1aBkd

Para aqueles que querem descobrir pessoalmente essa região do mundo tão pouco conhecida, fica um convite: um dos motivos de minha jornada na Ásia Central será investigar as possibilidades de realizar a expedição “Rota da Seda” com um grupo de viajantes experientes em setembro do próximo ano (2025) e, assim, conhecer um pouco do Uzbequistão, Quirguistão e Cazaquistão. Mais informações em https://viajologia.com.br/.

]]>
https://haroldocastro.com.br/rota-da-seda/feed/ 0
Os guerreiros de terracota de Xi’an foram descobertos por mero acaso https://haroldocastro.com.br/os-guerreiros-de-terracota-de-xian-foram-descobertos-por-mero-acaso/ https://haroldocastro.com.br/os-guerreiros-de-terracota-de-xian-foram-descobertos-por-mero-acaso/#respond Tue, 09 Apr 2024 20:14:49 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2784
Cinco das onze colunas de guerreiros de terracota encontrados na fossa 1 do mausoléu do imperador Qin Shihuangdi. © Haroldo Castro

Percorrer cemitérios não é meu forte, mas o fato é que o imperador chinês Qin Shihuangdi edificou uma tumba que entrou para a História. Seu túmulo é tão importante como as tumbas das Pirâmides de Giza e do Taj Mahal.

Esses excêntricos mausoléus estão em Xi’an, a 1.200 km de Beijing. Durante mais de um milênio, Xi’an foi a capital do império unificado e sede de 11 dinastias chinesas. A cidade estava situada em uma importante encruzilhada da Rota da Seda e recebia gente de todas as direções.

Qin Shihuangdi, primeiro imperador da dinastia Qin e responsável pela unificação inicial da China no ano 221 A.C., era um tremendo déspota e tentaram assassiná-lo três vezes. Mas seu currículo de obras é grandioso – inclui até parte da Grande Muralha, a qual foi reforçada durante seu reinado. O imperador abriu novas estradas, ergueu palácios, criou sistemas de irrigação e instituiu um severo código penal. Pesos, medidas e moedas foram unificados. O desenho da famosa moedinha chinesa com um buraco no centro data dessa época.

O delírio de grandeza de Qin Shihuangdi fez com que ele começasse a construir seu mausoléu logo que entronado, no ano 246 A.C., com apenas 13 anos de idade. Como parte da crença, ele aspirava levar com ele, no momento de deixar a vida terrena, tudo que fosse importante. O principal para ele era seu exército. Quando morreu em 210 A.C., com 49 anos, toda uma hoste de guerreiros em terracota, em tamanho original, acompanhou-o para a seguinte vida. Mais de 700 mil pessoas trabalharam para montar sua majestosa tumba.

Fileira de centenas de guerreiros em tamanho natural à frente das onze colunas do mausoléu do imperador chinês. © Haroldo Castro

Ver fotografias ou ler sobre os guerreiros de terracota de Xi’an surpreende, mas estar dentro do pavilhão que protege as escavações é uma sensação muito mais impressionante. Três enormes fossas escavadas revelam o estonteante conteúdo. Vou direto à primeira fossa, a maior e a mais rica. Dou de cara com um imenso retângulo aberto no solo de 62 por 230 metros. Boquiaberto, balbucio palavras de admiração, impressionado pela visão. São mais de mil soldados de pé, todos olhando para a frente, como se estivessem prestes a atacar.

Os guerreiros formam onze colunas na direção leste. As figuras humanas são de tamanho natural e variavam de 1,72 a 2,00 metros de altura. Cada soldado tem uma fisionomia diferente: alguns sorriem, outros são mais sisudos; uns possuem barba, outros bigodes. O adorno na cabeça identifica o status: quanto mais sofisticado, maior a posição. Enquanto o torso, os braços e a cabeça são ocos, as mãos e as pernas são moldadas em barro maciço.

Cada guerreiro tem uma fisionomia única e está vestido de forma distinta. © Haroldo Castro

Cada peça de terracota é decorada de maneira diferente. Consigo discernir alguns traços de pintura vermelha e amarela que resistiram ao tempo. Segundo os arqueólogos, a tinta foi confeccionada à base de minerais e fixadores, tais como sangue animal ou clara de ovo. Outra análise mostrou que as peças foram cozinhadas em fornos de até 1.000o C de temperatura, demonstrando uma grande habilidade na arte da cerâmica.

Originalmente, os soldados portavam armas verdadeiras, como arcos, flechas, espadas e lanças. Os artefatos de madeira não chegaram aos nossos dias, mas os de bronze e outras ligas foram desenterrados em perfeito estado. Os cavalos em terracota, também em tamanho original, parecem estar vivos e suas bocas abertas sugerem relinchos. Arqueólogos consideram que, se totalmente escavada, essa primeira fossa desvendaria cerca de 6 mil guerreiros, 160 cavalos e 40 carros de guerra.

Fascinante é o fato que o lugar, Qin Ling, a 30 km a leste de Xi’an, só tenha sido descoberto 22 séculos depois de construído. Em março de 1974, um camponês encontrou um pedaço de cerâmica ao furar um poço. Com receio de ter feito algo errado, preferiu chamar as autoridades. Em seguida, chegaram os arqueólogos, sem muitas pretensões. Mas quando ampliaram suas buscas, eles ficaram atônitos: guerreiros e cavalos passaram a brotar da terra diariamente. Se não fosse o poço do camponês, esses tesouros poderiam ainda estar baixo da terra.

]]>
https://haroldocastro.com.br/os-guerreiros-de-terracota-de-xian-foram-descobertos-por-mero-acaso/feed/ 0
Encontro com gorilas-das-montanhas em Uganda é inesquecível https://haroldocastro.com.br/encontro-com-gorilas-das-montanhas-em-uganda-e-inesquecivel/ https://haroldocastro.com.br/encontro-com-gorilas-das-montanhas-em-uganda-e-inesquecivel/#respond Tue, 12 Mar 2024 13:37:19 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2647 No filme “Nas montanhas dos gorilas” – original de 1988, “Gorillas in the mist” – a atriz Sigourney Weaver revela a luta da pesquisadora Dian Fossey para proteger os gorilas-das-montanhas nas florestas de Uganda, Ruanda e Congo. Desde o lançamento do filme, conservacionistas e amantes da natureza passaram a acompanhar de muito mais de perto o primata para evitar que a espécie pudesse ser extinta.

A ajuda de Hollywood e o holofote ligado pelas organizações ambientais foram extremamente úteis e nas últimas três décadas a população desses primatas vem crescendo gradativamente.  Como base no senso de 2015, calcula-se que existiam, no seu habitat natural, cerca de 880 indivíduos, espalhados em quatro parques nacionais e em três países. Quando estive na região em 2010, esse número estava ao redor de 700 – isso significa que houve um crescimento de 28% em cinco anos.

Hoje, a subespécie de gorilas-das-montanhas – Gorilla beringei beringei – continua sendo considerada como Criticamente Ameaçada de Extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza, pois a caça ilegal, a perda do habitat natural e a instabilidade política no Congo continuam trazendo impactos negativos aos animais. Mas a situação é bem melhor do que há duas ou três décadas.

Em 2010, tive a oportunidade de ver de perto gorilas-das-montanhas em Uganda e em Ruanda. Em 2022, regressei a Uganda para minha terceira visita aos gorilas. Esses momentos que passei ao lado desses gigantescos primatas foram inesquecíveis. Seguem alguns trechos de minhas anotações da primeira viagem em Uganda:

Andei no mato fechado por quase três horas para ir ao encontro do grupo Nshongi de gorilas-das-montanhas. © Mikael Castro

Estou em uma floresta tropical de altitude, cercado por todo tipo de vegetação. Raízes tentam agarrar meus pés, cipós e trepadeiras se enroscam em meus braços. As plantas parecem impedir que eu entre no território reservado.

“Esse é um dos piores trechos da caminhada”, diz Godfrey Binayisa, o guarda-parque que continua a abrir passagem com o facão, desbravando a floresta. “Só falta meia hora para chegarmos ao destino.”

Além da luta contra o mato, agora tenho outro desafio: a trilha se torna íngreme. Checo o altímetro e estamos a 2.200 metros de altitude, 350 metros acima do lugar de onde partimos. O caminho também está mais escorregadio. Agarro uma raiz que deveria estar presa, meu sapato resvala e calça e mãos tomam mais um banho de lama.

O nome do local explica a aventura. Estamos na Floresta Impenetrável Bwindi. Sim, o nome oficial inclui o adjetivo “impenetrável”. A selva fechada e escura guarda um dos principais tesouros de Uganda: quase metade da população mundial de gorilas-das-montanhas. Bwindi é parque nacional desde 1992 e Patrimônio Mundial desde 1994.

Ao completar 2h30 horas de caminhada, surgem, do meio do mato, três vultos quase tão tenebrosos como a floresta. Um deles carrega um fuzil AK-47. Binayisa nota meu espanto e explica que os três guardas trabalham para o parque. Saíram em busca do grupo de gorilas duas horas antes de nossa partida.

Como de costume, os rastreadores foram ao local onde os animais passaram a noite anterior. Os primatas acordaram, fizeram sua primeira refeição e começaram a se movimentar em busca de outros alimentos – sua dieta vegetariana é composta por mais de 60 tipos de plantas e um adulto pode comer mais de 20 quilos de folhas por dia. Os guardas seguiram o grupo e agora sabem exatamente onde os animais estão. Estamos prontos para ver os primatas.

O guarda-parque lembra as regras do jogo. Manter uma distância mínima de sete metros dos animais. Não fotografar com flash. Não espirrar ou tossir perto para que não sejam contaminados. Se algum gorila vier em nossa direção, não olhar diretamente nos olhos dele, baixar a cabeça e seguir as instruções dos guarda-parques. Teremos apenas 60 minutos para estar com eles.

Deixamos a trilha e entramos no mato impenetrável. Depois de tanto esforço, nossa recompensa está prestes a acontecer. O guarda que lidera a fila se detém, ergue a cabeça e aponta para uma árvore. A uns dez metros de altura, bem encaixado entre dois galhos, um jovem gorila retira cuidadosamente tufos de musgo da casca e os mete na boca.

Começa o frenesi fotográfico e disparo dezenas de imagens em poucos segundos. Nossa presença não interfere na atividade principal do gorila: comer. Mesmo consciente de que está sendo observado, o animal não olha em nossa direção. É como se não existíssemos.

Os gorilas desse grupo chamado Nshongi recebem visitantes desde setembro de 2009. Habituá-los à presença de seres humanos demandou um processo lento, de cerca de dois anos, com a visita diária de um guarda-parque ao grupo. Depois de acostumados aos humanos, eles perdem o medo, já não nos consideram como perigo e permitem nossa companhia.

Binayisa faz um sinal para prosseguir. A poucos metros, encontramos um macho adulto silver back, o dorso prateado, líder do grupo. Ele está sentado no chão, dentro da mata e come passivamente suas folhas preferidas.

O líder do grupo Nshongi, o silver back, sentado no chão, sabe que nós estamos presentes mas continua buscando comida. © Haroldo Castro

O primeiro censo em Bwindi, em 1987, computou 270 animais. Em 2003, o número saltou para 320 e, em 2006, para 340. O censo de 2010 revelou um número de 360 indivíduos. “A população de gorilas-das-montanhas em Uganda está protegida e só tem crescido nas últimas décadas”, afirma Binayisa. Em 2015, calculava-se que existia cerca de 400 animais em Bwindi.

Uma fêmea muda de posição e se senta no chão, a 10 metros de onde estou. Ela tem à frente um conjunto confuso de plantas trepadeiras. Com serenidade, ela separa e desembaralha os ramos que são levados à boca. O ritual pacato simboliza a docilidade e a ternura desses primatas. Passo longos minutos com a teleobjetiva enfocada no rosto dela e consigo notar uma ternura em seu olhar.

Uma gorila fêmea senta-se para comer as folhas de uma trepadeira. © Haroldo Castro

Mas o tempo voa. Precisamos voltar. “Já estamos aqui a 65 minutos”, afirma Binayisa. Clico as últimas imagens. Que sensação extraordinária ter conseguido ver esses maravilhosos primatas de tão perto. Entendo agora porque pessoas que gostam de animais e que possuem recursos acabem pagando uma taxa de visitação elevada (hoje, 700 dólares por dia, cerca de R$3.500) para ver o espetáculo.

Depois do encontro que eu aspirava tanto, o caminho de volta, em descida, é bem mais fácil. Como a observação dos gorilas se tornou a atração principal em Uganda, tanto as autoridades como o setor privado precisam manter a sustentabilidade e a vitalidade do empreendimento. Mais de 10 mil visitantes anuais rendem aos cofres da Agência de Vida Selvagem de Uganda (UWA) alguns milhões de dólares e parte dos rendimentos é destinada aos guarda-parques e medidas de conservação. As comunidades rurais que rodeiam o Parque Nacional também começam a se beneficiar com o afluxo de turismo: de cada visita, nove dólares (36 reais) vão direto às comunidades rurais vizinhas.

Foi a impenetrabilidade de Bwindi que protegeu os gorilas-das-montanhas da extinção. Hoje pode ser mais fácil entrar em Bwindi, mas cabe aos ugandenses cuidar dessa mina natural.

]]>
https://haroldocastro.com.br/encontro-com-gorilas-das-montanhas-em-uganda-e-inesquecivel/feed/ 0
Açaí, néctar nutritivo da Amazônia, fascina o mundo e ajuda a proteger a floresta https://haroldocastro.com.br/acai-nectar-nutritivo-da-amazonia-fascina-o-mundo-e-ajuda-a-proteger-a-floresta/ https://haroldocastro.com.br/acai-nectar-nutritivo-da-amazonia-fascina-o-mundo-e-ajuda-a-proteger-a-floresta/#respond Tue, 12 Mar 2024 13:27:37 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2642 Um dos maiores desafios conservacionistas é provar que uma floresta tropical possui um valor maior em pé do que destruída ou transformada em pasto. Nas últimas décadas, vários argumentos têm ajudado a fortalecer o conceito que a natureza saudável traz benefícios permanentes aos seres humanos, sejam estes imediatos ou a longo prazo, concretos ou filosóficos.

Na maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, uma perspectiva que cresce com vigor é a da importância dos produtos não-madeireiros. Em duas viagens realizadas em 2012, entrei em contato com ribeirinhos, pesquisadores e autoridades que trabalham em parceria com essa finalidade. A iniciativa estimula a economia florestal e busca melhorar a gestão das atividades sustentáveis na Amazônia.

Um ponto central da iniciativa de conservação é a valorização dos produtos nativos da Amazônia e o projeto usa a disseminação de informação como uma arma essencial contra a destruição ambiental.

Daiani da Silva, moradora da comunidade Arimum, mostra uma bacia com o vinho do açaí, preparado quando a fruta é esmagada. A comunidade Arimum está situada na Reserva Extrativista Verde para Sempre, em Porto de Moz, Pará. © Haroldo Castro

A alma do habitante amazônico – e principalmente do paraense – possui um leve tom arroxeado, a cor do açaí. Não há habitante em Belém que não consuma vários litros de seu néctar por semana e alguns chegam a tomar dois litros por dia. A tigela de açaí está sempre presente nas refeições e o caldo da fruta é servido com tapioca, farinha de mandioca ou peixe frito.

Em algumas comunidades ribeirinhas, o açaí pode representar 40% da dieta alimentar. Quem toma açaí não fica desnutrido. Depois de extraída da semente, a polpa do fruto da palmeira Euterpe oleracea é um produto de alto valor calórico, rico em proteínas, vitaminas e sais minerais.

Sua reputação como energético fez com que o fruto conquistasse novos territórios. A partir da década de 1990, a polpa congelada passou a ser “exportada” para o Rio de Janeiro, ganhando adeptos bem diferentes aos usuais ribeirinhos amazônicos. Batido com xarope de guaraná (outro produto amazônico altamente estimulante), servido como um creme bem frio (quase como um sorvete) e adornado com granola (uma influência externa), o açaí carioca passou a fazer parte do cardápio dos saudáveis garotos e garotas de Ipanema. Hoje, não há loja de sucos no Rio que não ofereça várias opções de açaí. Do Rio, a novidade foi para São Paulo e daí não demorou a conseguir espaço nos supermercados europeus e norte-americanos.

Pela magnitude da região, qualquer número relativo à Amazônia é difícil de ser contabilizado. Se o açaí existe e é consumido em todos os estados do Norte do Brasil, é impossível saber, ao certo, qual é a quantidade produzida. Mas pesquisadores propõem que o Pará, com cerca de centenas de milhares de hectares de açaizais, seria responsável por 80% a 90% da produção nacional.

Em municípios no interior do Pará – como Igarapé-Miri e Abaetetuba, respectivamente, o primeiro e o segundo produtor de açaí no estado – o fruto é respeitado como uma crescente fonte de riqueza para os ribeirinhos, uma espécie de “ouro roxo” oferecido gratuitamente pela floresta.

Existem três espécies de palmeiras de açaí. A mais comum no Pará é a de touceira, quando vários troncos brotam juntos, como se fossem um buquê. Feliz de Carvalho, extrativista em Abaetetuba, conta que aprendeu a manejar o açaizeiro para ter uma produção maior e mais sustentável. “Se tiver muito tronco junto, não é bom. Aí, tiro um ou dois e aproveito o palmito”, diz Feliz. “O ideal é uma touceira de quatro troncos, no máximo seis. E não pode deixar a palmeira ter mais de 12 metros de altura.”

Luerle de Oliveira, da comunidade Arimum, desce do pé de açaí com um cacho na mão. © Haroldo Castro

Mesmo na entressafra, de janeiro a junho, as duas primas Luerle e Daiani conseguem preparar, sem muito esforço, uma tigela do vinho de açaí. O cacho maduro que Luerle cortou da palmeira solteira (não de touceira) é lavado e debulhado; as sementes maduras vão para uma panela. Daiani traz uma garrafa de vidro e usa a parte de baixo como um socador. Em turnos, as primas se revezam em golpear e espremer, com força, as sementes que vão soltando o caldo arroxeado. Passam o caldo por uma peneira artesanal e o que sobra na bacia será consumido no jantar.

A peneira deixa passar o caldo, mas retém os caroços e as sementes verdes do açaí. © Haroldo Castro

A coleta ocorre quando os frutos estão bem maduros e roxos. No Pará, o pico da safra acontece na estação seca, no segundo semestre do ano. Mas considerando a imensidão da Amazônia, com seus diferentes climas e ecossistemas, a época de coleta pode variar bastante.

A palmeira do açaí não fornece ao ribeirinho apenas o vinho. As sementes podem ser usadas em artesanato e o bagaço como adubo orgânico. As folhas secas são utilizadas para cobrir as casas. Já o caule fornece um palmito de excelente qualidade que, no

caso do palmito de touceiras, pode ser retirado, sem comprometer a saúde de toda a árvore.

O manejo de um açaizal deve ser realizado de forma racional e sustentável para que o produtor não prejudique sua produção. Os ribeirinhos que, no passado, não valorizavam tanto seu açaizal nativo, vão aprendendo hoje novas técnicas e estão convencidos que um ecossistema saudável é vital para manter uma boa produção de “ouro roxo”. 

]]>
https://haroldocastro.com.br/acai-nectar-nutritivo-da-amazonia-fascina-o-mundo-e-ajuda-a-proteger-a-floresta/feed/ 0
Jornada pelos vales e montanhas do Butão em busca da Felicidade Interna Bruta https://haroldocastro.com.br/jornada-pelos-vales-e-montanhas-do-butao-em-busca-da-felicidade-interna-bruta/ https://haroldocastro.com.br/jornada-pelos-vales-e-montanhas-do-butao-em-busca-da-felicidade-interna-bruta/#respond Tue, 12 Mar 2024 13:06:53 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2635 O Butão é um país que se abriu relativamente tarde para o mundo. Ao contrário do que aconteceu com seus vizinhos Índia e Nepal, invadidos por um turismo barato que causou –

e ainda causa – um grande impacto ambiental e social, o governo procurou controlar o número de turistas que entram no país. Algumas atividades óbvias em outros países que possuem cordilheiras nevadas – como fazer alpinismo ou rafting nos rios – não são permitidas no Butão. A proposta é evitar que os recursos naturais sejam degradados ou até mesmo ultrajados.

Dois aprendizes de monges em um monastério no Butão. © Haroldo Castro

Chegamos em Paro durante o Tsechu, festival que dura cerca de cinco dias e culmina na lua cheia. O evento atrai pessoas de várias regiões do país. Vestindo máscaras coloridas, diferente grupos dançam durante horas para celebrar a vida de Guru Rimpoche ou Buda Padmasambava, um iluminado que, a caminho do Tibete, trouxe o budismo da Índia ao Butão no século VIII.

Os dançarinos portando máscaras coloridas das divindades dançam sem parar. Com movimentos que nem sempre fazem sentido para os ocidentais, rodopiam, movem suas cabeças para cima e para baixo e correm como se perseguidos por um demônio. Os monges tocam instrumentos musicais utilizados nos rituais religiosos, como tambores, sinos e cornetas.

Os butaneses acreditam que as danças com máscaras atenuam ou diminuem o carma das pessoas. A mais expressiva é a Dança das Divindades Aterrorizantes, chamada Tungam. Nela, as divindades mascaradas prendem os maus espíritos e, com uma faca, eliminam esses seres que trazem sofrimento aos seres humanos. A finalidade do ritual é contribuir com a felicidade do povo, motivo que nos trouxe ao país.

Mulher sorrindo em um templo: o conceito de Felicidade Interna Bruta nasceu no Butão e está profundamente relacionado com o budismo © Haroldo Castro

Há mais de quatro décadas, o Reino do Butão tem desafiado a noção convencional e materialista de desenvolvimento humano com o conceito da Felicidade Interna Bruta (FIB). Essa noção surgiu nos anos 1970 quando o então rei do Butão Jigme Singye Wangchuck respondeu a um jornalista que o progresso de seu país seria medido pela felicidade do povo e não pelo nível de seu consumo. Esse era nosso verdadeiro interesse: buscar compreender um pouco mais como funciona o conceito da Felicidade Interna Bruta.

O conceito ainda gera certa confusão. Muitos questionam se as pessoas no Butão são verdadeiramente felizes. Outros perguntam como um país “não desenvolvido” pode ser feliz. Mas a questão principal está longe desse embate.

Ainda que o pequeno país do Himalaia, com uma população que alcança apenas 750 mil habitantes, não tenha os problemas sociais e ambientais de seus gigantescos vizinhos, como China e Índia, os desafios sempre existem.

O FIB, na verdade, é um índice de desenvolvimento que busca trazer dados para orientar o governo a desenhar políticas que possam garantir a felicidade ou o bem-estar da população. Pautado por valores budistas e espirituais, o índice está baseado em quatro pilares, que são 1) desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo, 2) conservação ambiental, 3) preservação e promoção do patrimônio cultural e 4) boa governança. Como desdobramento, existem outros nove domínios e dúzias de indicadores que envolvem esferas jamais consideradas pelos índices de desenvolvimento tradicional como PIB ou IDH.

A avaliação do FIB questiona, por exemplo, quantas vezes na semana a pessoa teve sentimentos negativos como inveja e raiva ou quantas vezes teve sentimentos positivos como compaixão e perdão. O índice ainda leva em conta a “convivência na comunidade” e o “tempo passado na natureza”, fatores que, para o butanês, são considerados importantes para ser feliz.

Infelizmente, dados do Relatório de 2015 mostram que hoje há um número maior de pessoas que se considera infeliz no Butão, em comparação aos dados do Relatório de 2010. Nos últimos anos, o Butão tem experimentado uma intensificação da migração do campo com grande impacto na área urbana. O aumento do lixo e a necessidade de repensar o transporte são apenas algumas das consequências. Certamente, essa mudança poderá trazer também impactos na produção de alimentos do país. 

Para entender essas questões seguimos um percurso desenhado pelo monge Saamdu Chetri, diretor do Gross National Happiness Centre (Centro da Felicidade Interna Bruta), idealizado para introduzir o conceito do FIB a estudiosos que chegam de outros países. Além de visitar alguns dos pontos importantes da cidade, nosso roteiro inclui a visita ao tradicional Royal Thimphu College, conversas com profissionais de educação e encontros com outros professores inspiradores, como o indiano Satish Kumar, fundador do Schumacher College, na Inglaterra.

Reverenciado pela caminhada que fez nos anos 1960 da Índia à Europa, Satish explica que nosso relacionamento com o planeta Terra acontece de duas diferentes maneiras. “Podemos agir como turistas de passagem e olhar a Terra como recursos, bens e serviços para o nosso uso, prazer ou conforto. Ou podemos agir como peregrinos e tratar o planeta com reverência e agradecimento”, diz ele. 

Na analogia de Satish, o turista é aquele que entende que as riquezas naturais estão sempre disponíveis para o uso do humanos. O peregrino, por outro lado, percebe o planeta como ser sagrado e reconhece o valor intrínseco da vida. “O turista é aquele que cria expectativas e se decepciona quando as coisas não saem exatamente da forma planejada. Já o peregrino aceita os acontecimentos da forma como eles são”, afirma.

As palavras de Satish dão o tom da viagem e é quase impossível não entrar em um clima de leveza. A espiritualidade e valores como a compaixão formam a base do FIB. Dessa forma, nossos dias passam rápido, repletos com palestras encantadoras e sessões de meditações.

Outro momento de inspiração é o encontro com Kalinca Susin, uma brasileira que vive no Butão há seis anos. Professora no Royal College of Thimphu, Kalinca tornou-se uma nobre embaixadora do Butão, traduzindo literalmente para o português a cultura do país e algumas especificidades do FIB.

Viajar pelo Butão requer tempo e paciência. Por estradas estreitas – mas que já estiveram piores no passado – leva-se horas para realizar qualquer deslocamento rodoviário. Para conhecer o dzong da cidade, uma visita a Punakha, a 90 km da capital Thimphu, é fundamental. O dzong de Punakha é o segundo mais antigo do país e foi concluído em 1638.

Os dzongs são enormes fortalezas que dominam as capitais dos 20 distritos do Butão. São a melhor representação da arquitetura do reino no Himalaia. Lá dentro, reúnem-se os dois mais importantes poderes do Butão: a autoridade espiritual e a administração pública.

Punakha traz outra curiosidade. Entre um vilarejo e outro, casas com pinturas de pênis nas paredes chamam nossa atenção. Não demora muito para que as ilustrações, consideradas como auspiciosas, comecem a gerar perguntas.

Os falos são figuras esotéricas que simbolizam fertilidade e bonança. A origem da tradição é ainda discutida. Alguns dizem que a crença está ligada ao monastério Chimi Lhakhang, construído em Punakha em homenagem ao Lama Drukpa Kunley, conhecido por suas formas nada tradicionais de ensino. Outros estudiosos dizem que o costume está relacionado ao Bon, religião local nativa que existia no Butão antes da chegada do budismo.

Muitos butaneses usam a figura do pênis em um colar como amuleto de boa sorte. Há quem acredite que as pinturas dos falos tenham o poder de espantar o azar e o mal olhado. Quando alguém tem uma casa bonita, é aconselhável desenhar o órgão masculino logo na parede de entrada.

Fábulas e crenças não faltam no Butão. Uma das mais conhecidas é a luta do Guru Rimpoche contra os demônios que tentavam impedir a chegada do budismo ao Butão. Conta a lenda que Guru Rimpoche teria voado nas costas de um tigre para vencer a batalha. Ao final da disputa, o tigre teria se abrigado no topo de uma montanha, em um local conhecido como Taktsang.

O Ninho do Tigre, um monastério budista, só pode ser alcançado por uma trilha que tem 900 metros de desnível. © Haroldo Castro

Taktsang ou o Ninho do Tigre é um dos lugares mais fantásticos do país. Para chegar até o templo, é preciso realizar uma caminhada de 900 metros de desnível e de aproximadamente seis horas de subida. Os mais preguiçosos ou sem preparo físico têm a opção de subir no lombo de um burrico. O trajeto a pé, no entanto, representa uma grande oportunidade para fazer reflexões sobre a viagem, a vida, o budismo e a felicidade.

]]>
https://haroldocastro.com.br/jornada-pelos-vales-e-montanhas-do-butao-em-busca-da-felicidade-interna-bruta/feed/ 0
As estátuas de Rapa Nui testemunharam um dos piores desastres ecológicos do planeta https://haroldocastro.com.br/as-estatuas-de-rapa-nui-testemunharam-um-dos-piores-desastres-ecologicos-do-planeta/ https://haroldocastro.com.br/as-estatuas-de-rapa-nui-testemunharam-um-dos-piores-desastres-ecologicos-do-planeta/#respond Mon, 11 Mar 2024 21:13:10 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2630 Para acordar cedo, tenho de ter uma boa razão. Mas não tive dúvidas na Ilha da PáscoaRapa Nui no idioma local. O primeiro amanhecer precisava ser registrado, pois o local escolhido era excepcional: em frente aos gigantes de pedra de Tongariki.

O céu ainda está na sua metamorfose inicial, mas posso distinguir as 15 estátuas. Os moais dão suas costas ao oceano Pacífico e estão enfileirados lado a lado como um pelotão; o maior tem dez metros.

As nuvens começam a ganhar cores quentes, tons que variam do rosa ao laranja e ao amarelo. As luzes no céu dão um ar ainda mais dramático ao ambiente feérico das gigantescas estátuas.

Os gigantes de pedra – os moais – de Tongariki ao amanhecer. © Haroldo Castro

Estáticos e temíveis, os moais contemplam o vulcão Rano Raraku. Foi dessa montanha que saiu a pedra necessária para construir cerca de 900 estátuas, das quais 400 estão espalhadas ao redor da ilha e outras 500 ainda permanecem em Rano Raraku, inclusive a maior de todas, incompleta, medindo 22 metros. Os moais foram erguidos entre os anos 900 e 1620.

Caminhando em direção ao vulcão-pedreira, não posso deixar de me perguntar o que todos questionam quando chegam em Rapa Nui. Por que seus habitantes, vindos de alguma ilha da Polinésia, resolveram construir essas estátuas gigantes? E que motivo levou essa civilização mergulhar na decadência, até mesmo antes da chegada do primeiro europeu no domingo de Páscoa do ano 1722?

Um raio de luz ilumina um moai em Tongariki. © Haroldo Castro

Segundo o antropólogo Jared Diamond em seu livro “Colapso”, toda a ilha foi destruída e hoje já não existe nenhuma vegetação natural original. As plantas que vivem na ilha atualmente são espécies de fora, invasoras. Todos os pássaros nativos também desapareceram. Segundo o autor, Rapa Nui pode ser considerado como o maior desastre ambiental do planeta.

Os responsáveis por terem dado uma forma humana estilizada a pedras pesando dezenas de toneladas – e ainda por cima, levantá-las na posição vertical – também são os principais suspeitos desse colapso ecológico. No delírio de erguer cada vez mais e maiores moais, os antigos habitantes de Rapa Nui usaram uma quantidade cada vez maior de recursos naturais e humanos.

Quantas palmeiras não foram sacrificadas para se transformarem em artefatos roliços de transporte? Quantos quilômetros de cordas foram meticulosamente elaborados com fibras de árvores, apenas para arrastar os moais? Quantos braços não foram necessários para esculpir e transportar apenas uma estátua? Quantas calorias para alimentar essas centenas de bocas escravas e cansadas?

Para louvar seus antepassados, a classe dirigente de Rapa Nui não considerou a sustentabilidade e arruinou a existência de suas futuras gerações. Sem matéria prima, a cultura Rapa Nui entrou em declínio vertiginoso. Acabaram-se as árvores, as estátuas, os rituais de cremação, as canoas, a pesca e os alimentos. O canibalismo virou prática. Em 1872, sobreviviam apenas 111 nativos em estado deplorável e todos os moais haviam sido derrubados por clãs rivais.

Enfileirados, os 7 moais de Ahu Akivi são os únicos a ficar de frente para o mar. © Haroldo Castro

Essa parece ser uma lição que temos dificuldade em aprender. Nossa cultura imediatista insiste em considerar que os recursos naturais são intermináveis e que sempre encontraremos novas terras, aquíferos, jazidas, poços de petróleo ou mares que não foram poluídos. Rapa Nui é um exemplo a ser lembrado que os governantes locais podem cometer graves erros se não colocarem a sustentabilidade em primeiro lugar!

]]>
https://haroldocastro.com.br/as-estatuas-de-rapa-nui-testemunharam-um-dos-piores-desastres-ecologicos-do-planeta/feed/ 0
Nos últimos 10 anos, blog Viajologia levou leitores a descobrir mais de 70 países pelo mundo https://haroldocastro.com.br/nos-ultimos-10-anos-blog-viajologia-levou-leitores-a-descobrir-mais-de-70-paises-pelo-mundo/ https://haroldocastro.com.br/nos-ultimos-10-anos-blog-viajologia-levou-leitores-a-descobrir-mais-de-70-paises-pelo-mundo/#respond Mon, 11 Mar 2024 20:43:45 +0000 https://haroldocastro.com.br/?p=2606 Na terça-feira 20 de junho de 2017 comemoramos o 10º aniversário do Viajologia, blog do portal da revista Época. Durante essas 522 semanas, publicamos 650 histórias de viagens e de natureza, cujo palco foram 72 países.

O primeiro artigo foi postado em 20 de junho de 2007. Na ocasião, eu me preparava para embarcar dos EUA à Mongólia, onde passaria um mês no país de Gêngis Khan, escrevendo sobre as estepes, os cavalos, os tempos budistas, a vida selvagem, um trekking de camelo, o festival Naadam e muitos outros temas. Entretanto, a aventura mais especial guardei para as páginas de papel da revista Época: as arcas sagradas do deserto de Gobi.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG79909-6014-494,00.html

Um aprendiz de monge no monastério budista Khamar, no deserto do Gobi, na Mongólia; este foi um dos primeiros lugares a ser visitado pelo autor há 10 anos quando já alimentava o Blog Viajologia. © Haroldo Castro

Vale lembrar que, em 2007, encontrar um Wi-Fi na Mongólia para entrar na internet não era uma tarefa tão simples. Uma solução foi abusar da conexão de um restaurante francês na capital Ulan Bator. Depois do jantar no local duas vezes por semana, checava meus e-mails, lia as dezenas de comentários e iniciava meus envios. Para dar tempo de concluir a transmissão das fotos, pedia sempre uma sobremesa extra, uma mousse de chocolate.

Após a Mongólia, meu próximo destino foi o Tibete. Mesmo se dominado pelos chineses, esse povo do Himalaia me fascinou com sua cultura e suas tradições. Conversando com monges, comerciantes e fiéis budistas – quase todos sob a condição do anonimato – aprendi muito sobre a situação oprimida do tibetano. Infelizmente, não podia escrever tudo que via e ouvia no blog Viajologia: ainda ficaria algumas semanas na China e já havia aprendido que o governo era mestre em retaliações. Tive de esperar meu retorno ao Brasil para publicar nas páginas de papel de Época, minha visão mais completa sobre a repressão no Tibete. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81041-6014,00.html

Um fiel budista desce uma escada do templo Tashi Lhunpo em Shigatse, no Tibete. © Haroldo Castro

Em 2008 regressei à Ásia – Butão, Nepal e Mianmar – para buscar novos assuntos para o blog Viajologia, mas meus olhos já estavam voltados à África, continente que me chamava para uma longa jornada terrestre. Depois de mais de um ano de preparação, a expedição jornalística “Luzes da África” teve início na Cidade do Cabo, África do Sul, em novembro de 2009. Durante nove meses e 40 mil quilômetros, meu filho Mikael e eu cruzamos 18 países do sul e do leste africano, fotografando, filmando, enviando material para a imprensa brasileira e alimentando o blog Viajologia com dois posts semanais. Um pouco de diversão e muito trabalho.

Voltei ao Brasil em meados de 2010 com uma vontade ainda maior de contar histórias. Além de continuar alimentando o blog Viajologia, resolvi escrever um livro sobre a jornada africana. Mais do que competir com o blog, os seis meses necessários para redigir “Luzes da África” estabeleceram uma nova relação com meus leitores do blog. Organizei vários concursos para que os leitores escolhessem as melhores fotos da viagem em diferentes categorias e as melhores frases para a contracapa do livro. Em troca, dezenas de exemplares foram sorteados entre aqueles que haviam deixado seus comentários.

Para a seleção final da capa do livro, um post em 2011recebeu 364 comentários com votos. A capa com a foto de três mãos de guerreiros da etnia Maasai foi a preferida por metade dos leitores. Como confessei no próprio blog, minha foto favorita era outra, a do deserto. Mas depois de ler atentamente os comentários, mudei de ideia e acabei seguindo a opinião dos leitores. Conclusão, a interatividade do blog foi essencial até mesmo para a escolha final da capa de “Luzes da África”!

Foi em 2011 também que a primeira matéria do blog Viajologia viralisou. Em 31/03 fotografei na charmosa Paraty o casamento de dois jovens franceses, a noiva sendo uma sobrinha parisiense que adora o Brasil. Intitulado “Venha se casar no Brasil”, o post recebeu no primeiro dia mais de 30 mil cliques e, durante esses os primeiros seis anos, cerca de um milhão de leitores leram a matéria.

Passeio marítimo que levou os 120 convidados do casamento realizado em Paraty. © Haroldo Castro

Publicada no carnaval de 2015, outra matéria também chegou à marca de um milhão de pageviews. Com o nome “A Guiné Equatorial que não vimos no Sambódromo do Rio”, a crônica relata minha viagem ao país regido pela ditadura de Teodoro Obiang. No ano anterior, Teodorin, filho do ditador, entusiasmado com o carnaval brasileiro, havia convencido os dirigentes da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis a aceitarem R$ 10 milhões de reais com a condição de que o diminuto país pudesse ser o tema principal do desfile. Os dirigentes aceitaram.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2015/02/bguine-equatorialb-que-nao-vimos-no-sambodromo-do-rio.html

A Guiné Equatorial mostrada pela Beija-Flor foi linda, colorida e encantadora. A comissão de frente, composta por 15 guerreiros, montou uma árvore da vida e deu show de criatividade. Os carros alegóricos, espetaculares. Em um deles, uma floresta rica, cheia de animais. O dinheiro do patrocínio acabou dando à Beija-Flor o título de Campeã do Carnaval Carioca 2015. Mas toda a riqueza mostrada no desfile contrastava com a pobreza, a devastação da natureza e o desmatamento que vi e fotografei no local.

Um roedor morto é oferecido aos motoristas que transitam pelas estradas da região de Rio Muni, a parte continental da Guiné Equatorial. © Haroldo Castro

A terceira matéria mais lida nessa década também se remete à África, mas, desta vez, com uma notícia positiva, sobre a “Moringa, a árvore mágica que pode acabar com a fome no mundo”. Cerca de 500 mil leitores aprenderam que a moringa possui sete vezes mais vitamina C que a laranja, quatro vezes mais vitamina A que a cenoura, quatro vezes mais cálcio que o leite de vaca, três vezes mais ferro que o espinafre e três vezes mais potássio que a banana. E mais: a composição de sua proteína mostra um balanço excelente de aminoácidos essenciais (aqueles que precisamos ingerir pois o corpo humano não os produz). A moringa oferece outro presente às comunidades. Devido à composição das sementes, quando estas são trituradas e misturadas a uma água turva e não potável, a combinação limpa a água. Pesquisadores do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais comprovaram, em testes de laboratório, que as sementes da moringa conseguem remover 99% da turbidez da água.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2015/06/moringa-arvore-magica-que-pode-acabar-com-fome-no-mundo.html

Na mesma categoria – plantas que ajudam a lutar contra a pobreza– Giselle Paulino e eu publicamos, no final de 2016, outra matéria de sucesso, que atingiu centenas de milhares de pageviews. O post “Conheça a ensete, a falsa banana que consegue vencer a fome na Etiópiaexplica como a polpa do pseudocaule da falsa-bananeira, depois de fermentado por várias semanas, torna-se um alimento – o kocho – que pode ser a solução para combater a fome para 10 milhões de etíopes.

http://epoca.globo.com/sociedade/viajologia/noticia/2016/12/conheca-ensete-falsa-banana-que-consegue-vencer-fome-na-etiopia.html

Além destas quatro campeãs, diversas matérias bombaram. No Brasil, foram os lugares clássicos de passeios que se sobressaíram. A história da empresária francesa Emmanuelle Tonnerre, que transformou sua casa de veraneio em um hotel boutique em Búzios, rendeu mais cenetnas de milhares de cliques. A frase da empresária que serviu de título para a reportagem – “não havia hotéis com o conforto exigido por europeus” – pode ter mexido com os brios de alguns leitores mas foi a base para que ela construísse seu hotel de sonhos na praia da Ferradura.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2015/07/nao-havia-hoteis-com-o-conforto-exigido-por-europeus-diz-empresaria-em-buzios.html

Há poucos meses, em fevereiro deste ano, um fim de semana na ilha de Paquetá rendeu duas crônicas sobre o bairro carioca. Alguns moradores resolveram que deveriam fazer de sua casa o palco ou a vitrine de suas atividades profissionais. Essa vontade de abrir sua própria residência aos amigos e ao público tomou forma, ampliou-se e está dando certo. As duas matérias atingiram centenas de milhares de leitores.

http://epoca.globo.com/sociedade/viajologia/noticia/2017/02/moradores-de-paqueta-abrem-suas-casas-e-apresentam-atividades-gastronomicas-e-culturais.html

Dezenas de outras matérias bombaram durante esses últimos 120 meses e o blog Viajologia, com suas 650 matérias, constitui-se hoje em um rico acervo de dicas de viagens e de informações que podem ser úteis ao viajólogo, aquele que considera a Viajologia como a arte e a ciência de viajar.

Listo abaixo links de reportagens que recomendo a leitura:  

Flores da África do Sul:

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2014/09/flores-bmais-bonitasb-do-mundo-estao-na-ponta-da-africa.html

A Alameda dos Baobás em Madagascar:http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/viajologia/noticia/2015/11/alameda-dos-baobas-em-madagascar-compoe-uma-das-paisagens-mais-belas-do-planeta.html

]]>
https://haroldocastro.com.br/nos-ultimos-10-anos-blog-viajologia-levou-leitores-a-descobrir-mais-de-70-paises-pelo-mundo/feed/ 0